quarta-feira, 26 de agosto de 2009

METABOLISMO GERAL DOS AMINOÁCIDOS (1): DESTINO E TRANSAMINAÇÃO

I – INTRODUÇÃO
Iniciaremos neste capítulo o estudo do catabolismo dos aminoácidos, uma classe de biomoléculas que através da sua degradação oxidativa, dá uma contribuição significativa para a liberação de energia metabólica. O valor da fracção de energia metabólica obtida por oxidação dos aminoácidos, originados quer de proteínas ingeridas, quer de proteínas dos tecidos, varia muito com o tipo de organismo cosiderado e com a situação metabólica em que ele se encontra. Assim, imediatamente após uma refeição, os carnívoros podem obter da oxidação dos aminoácidos até 90% das suas necessidades de energia. Os herbívoros apenas apenas obtêm dessa fonte, uma pequena fracção das suas necessidades energéticas.


Figura: Fontes e destinos dos aminoácidos

A)- Conjunto de aminoácidos:Os aminoácidos liberados pela hidrólise das proteínas da dieta ou das proteínas dos tecidos, misturam-se com outros aminoácidos livres distribuídos pelo organismo. Em conjunto, eles constituem o stock de aminoácidos (figura). Esse stock contém cerca de 100 gramas de aminoácidos e é pequeno em comparação com as proteínas corporais. Os destinos que um aminoácido pode seguir, uma vez dentro do nosso organismo estão representados na figura.
Nos animais, os aminoácidos podem ser degradados para obtenção de energia em três circunstâncias metabólicas diferentes:
  1. Durante a síntese e degradação normais das proteínas celulares (renovação ou turnover das proteínas)
  2. Quando em uma dieta rica em proteínas, a quantidade de aminoácidos ingeridos, é maior que a quantidade necessária para a síntese de proteínas.
  3. Durante o jejum prolongado ou o diabetes melito, quando os carbohidratos estão inacessíveis ou não são utilizados adequadamente, as proteínas corporais são então hidrolizadas e os seus aminoácidos serão empregues como combustível.
COMO SE FAZ A TRANSFORMAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS EM ENERGIA UTILIZÁVEL PELO ORGANISMO?
– Sempre que têm que ser degradados, os aminoácidos perdem os seus grupos amino e os a-cetoácidos assim formados, podem sofre oxidação até CO2 e H2O. Além disso, esses a-cetoácidos também chamados de "esqueletos de carbono dos aminoácidos" podem ser convertidos em glicose.
Todos os aminoácidos contêm um grupo amino. Assim, a via de degradação de cada aminoácido inclui um passo chave no qual o grupo a-amino é separado do esqueleto de carbono e desviado para uma via especializada para o seu metabolismo. Trataremos primeiro do metabolismo do agrupamento amino e da excreção do nitrogénio, depois estudaremos o destino dos esqueletos carbonados derivados dos aminoácidos e, ao longo do caminho, veremos como as vias estão conectadas.

II – DESTINO METABÓLICO DOS GRUPOS AMINO:
A maior parte do nitrogénio da dieta, é consumida na forma de proteínas, perfazendo entre 70-100 gramas de proteínas por dia, na dieta média de um habitante de países desenvolvidos (Estados Unidos por exemplo). As proteínas são em geral grandes demais para serem absorvidas pelo intestino e devem portanto ser hidrolizadas, produzindo aminoácidos que depois podem ser absorvidos. As enzimas proteolíticas responsáveis pela degradação das proteínas, são produzidas por três diferentes órgãos: o estômago, o pâncreas e o intestino delgado (figura).
A digestão das proteínas começa no estômago, que secreta suco gástrico, que é composto por ácido clorídrico e uma pró-enzima, o pepsinogénio. 
 Ácido clorídrico – A sua função consiste essencialmente me desnaturar as proteínas da dieta, para tornar mais fácil a acção das proteases.
Pepsina –É uma endopeptidase, secretada pelas células serosas do estômago, sob a forma de zimogênio inactivo (pró-enzima), o pepsinogênio. O pepsinogênio, pela acção do ácido clorídrico e por auto-catálise da própria molécula de pesina, converte-se na enzima activa a pepsina. A pepsina hidrolisa as proteínas da dieta, convertendo-as em polipeptídeos e alguns aminoácidos livres  Depois do estômago, os polipeptídeos vão para o intestino delgado onde são clivados por um grupo de proteases pancreáticas, resultando em oligopeptídeos e aminoácidos. As principais enzimas proteolíticas do suco pancreático, são: A tripsina e a pepsina.
No intestino delgado existe uma enzima, produzida pelas células luminais do intestino, que é a aminopeptidase que cliva repetidamente o resíduo N-terminal dos oligopeptídeos, produzindo aminoácidos livres e peptídeos menores. Após esta última clivagem os aminoácidos e os dipeptídeos e são absorvidos pelas células intestinais, em cujo citoplasma os dipeptídeos são também hidrolizados, liberando aminoácidos. Os aminoácidos são então liberados para o sistema porta para serem metabolizados pelo fígado ou liberados para a circulação geral. No fígado, os aminoácidos que serão degradados, sofrem antes de mais a remoção do seu grupo a-amino, a que já fizemos referência anteriormente.
 III - REMOÇÃO DOS GRUPOS AMINO

















Figura: Reacção de transaminação, catalisada pelas enzimas aminotransferases. O objectivo dessa reacção, é produzir ácido glutâmico e diversos alfa-cetoácidos.


A)- TRANSAMINAÇÃO: Sintese do ácido glutâmico a partir de vários aminoácidos.


 Transaminação, tal como o nome indica, a transaminação é um processo de transferência de um grupo amino de uma maolécula para outra. Esta reacção é catalizada poer enzimas denominadas de aminotransferases.
O primeiro passo no catabolismo dos aminoácidos é a transferência do seu grupo a-amino para o a-cetoglutarato (figura), um intermediário do ciclo de Krebs. Os produtos dessa reacção, são um a-cetoácido resultante do aminoácido anterior, que perde o seu gruo a-amino, e o ácido glutâmico, resultante do a-cetoglutarato após receber o grupo a-amino.
O a-cetoglutarato, desempenha um papel central no metabolismo dos aminoácidos, pois aceita grupos amino de outros aminoácidos e se transforma em glutamato (ou ácido
glutâmico).Essa transferência de grupos amino de um esqueleto carbonado para outro, é catalizada por uma família de enzimas denominada de aminotrasferases (anteriormente denominadas de transaminases) e as reacções catalizadas por essas enzimas são denominadas de reacções de transaminação. Estas enzimas são encontradas no citoplasma de todas as células mas especialmente nas células do fígado, rins e músculo. Todos os aminoácidos, excepto a lisina e da treonina, perdem os seus grupos amina, por tansaminação.






















Existem várias aminotransferases, sendo cada uma delas específica para um ou no máximo uns poucos doadores de grupos amino. As aminotransferases são designadas a partir do doador específico do grupo amino, pois o aceitador do mesmo grupo é quase sempre o a-cetoglutarato. As duas mais importantes reacções de transaminação, são catalizadas pelas enzimas alanina-aminotransferase e aspartato-aminatransferase (figura).
1)- Alanina-aminotransferase (ALT)
Também já foi chamada de glutamato:piruvato- transaminase (GPT), está presente em muitos tecidos. A enzima cataliza a transferência do grupo amino da alanina para o a-cetoglutarato, resultando na formação do piruvato (a-cetoácido derivado da alanina) e glutamato (aminoácido derivado do a-cetoglutarato). Durante o catabolismo dos aminoácidos, essa reacção é fácilmente reversível. No entanto, está quase sempre favorecida a formação do glutamato e desse modo o glutamato actua efetivamente como um colector de nitrogênio a partir da alanina.

2)- Aspartato aminotransferase (AST)
Inicialmente denominada de glutamato:oxalacetato-transaminase (GOT), é uma excepção a regra de que as aminotransferases afunilam os grupos amino para formar glutamato. Durante o catabolismo dos aminoácidos, a AST transfere grupos amino do glutamato para o oxalacetato, formando aspartato, o qual é utilizado como fonte de nitrogênio no ciclo da ureia.
Figura: Interconversão cíclica do piridoxal-fosfato e piridoxamina fosfato, durante a reacção da aspartato amino-transferase.

 Mecanismo de acção das aminotransferases
Todas as aminotransferases requerem a coenzima piridoxal-fosfato (um derivado da vitamina B6), a qual está covalentemente ligada ao grupo Ɛ-amino de um resíduo específico de lisina no sítio activo da enzima. As aminotransferases atuam transferindo o grupo amino de um aminoácido para a porção piridoxal da coenzima, gerando piridoxamina-fosfato. A forma piridoxamina da coenzima reage então com o a-cetoácido para formar um aminoácido, ao mesmo tempo regenerando a forma aldeído original da coenzima. A figura  mostra essas duas reacções, componentes da reacção catalizada pela aspartato-aminotransferase.

Equilíbrio das reacções de tansaminação
Para a maiorias das reacções de transaminação, a constante de equilíbrio aproxima-se de 1 (um), permitindo que a reacção funcione em ambos os sentidos, isto é, no sentido da formação  de um alfa-cetoácido por remoçao do grupo a-amino de um determinado aminoácido, e no sentido da biossíntese de um aminoácido por adição do um grupo a-amino a um a-cetoácido (o que acontece por exemplo quando o suprimento de aminoácidos a partir da dieta não for adequado para satisfazer as necessidades de síntese das células). 


Valor diagnóstico das aminotransferases plasmáticas
As aminotransferases, são normalmente enzimas intracelulares, de modo que os baixos níveis observados no plasma, representam a liberação de conteúdos celulares durante a renovação celular normal. A presença de níveis plasmáticos elevados de aminotransferases indica lesão em células, ricas nessas enzimas. Por exemplo o trauma físico ou um processo patológico, podemcausar lise celular, resultando na liberação dessas enzimas para o sangue. Tanto a AST como a ALT, são de valor diagnóstico especial, quando aparecem elevadas no plasma e isso acontece acontece nas seguintes situações: 

1- Doença hepática:
Os níveis de AST e ALT estão elevados em quase todas as doenças hepáticas mas estão especialmente elevadas nas doenças que causam necrose celular, como na hepatite viral, lesão tóxica e colapso circulatório prolongado. A ALT é mais específica do que a AST para as doenças hepáticas mas a AST é mais sensível, pois o fígado contém maior quantidade dessa enzima.

2- Doença não hepática:
As aminotransferases podem estar elevadas em doenças não hepáticas, como no infarto do miocárdio e doenças musculares. Essas doenças, no entanto, são em geral clínicamente distintas das doenças hepáticas.
    B)- DESAMINAÇÃO: a glutamato desidrogenase.

    A desaminação oxidativa consiste na remoção do grupo amino de um aminoácido, sob a forma de amônia livre. Esta reacção é catalizada pela enzima glutamato desidrogenase e ocorre principalmente no fígado e no rim. As reacções de desaminação fornecem alfa-cetoácidos que podem entrar nas vias centrais do metabolismo energético, e amónia que serve para a sintese da ureia Ver figura). 
    Figura: Reacção de desaminação oxidativa:  Formação do alfa-cetoglutarato e amónia livre, a partir do glutamato.

    A glutamato desidrogenase
    Como descrito anteriormente, os grupos amino da maioria dos aminoácidos são no fim transferidos para o alfa–cetoglutarato, para a sínstese do glutamato, por meio da transaminação. O glutamato é especial porque é o único aminoácido que sofre rápida desaminação oxidativa – uma reacção catalisada pela enzima glutamato desidrogenase (ver figura).
    Portanto, a acção da transaminação, resulta na coleta de grupos amino de outros aminoácidos que são inseridos no a-cetoglutarato, produzindo glutamato). A reacção de desaminação oxidativa subsequente desse glutamato, regenera o a-cetoglutarato e fornece uma via pela qual os grupos amino da maioria dos aminoácidos podem ser liberados como amónia (figura).
    A glutamato desidrogenase, tem as seguintes características: 

    1- Coenzimas:
    A glutamato desidrogenase pode utilizar tanto o NAD+ como o NADP+ como coenzima. O NAD+ é utilizado na reacção de desaminação oxidativa, enquanto que o NDP+ é utilizado na aminação redutora, isto é, no ganho de amónia com redução do esqueleto carbonado, para formar glutamato.  

    2- Sentido da reacção:
    O sentido da reacção depende das concentrações relativas do glutamato, a-cetoglutarato e amónia e da razão das coenzimas oxidadas e reduzidas. Por exemplo, após a ingestão de uma refeição contendo proteínas os níveis de glutamato no fígado são elevados e a reacção ocorre no sentido de degradação de aminoácidos e da formação de amónia. Esta reacção também pode ser utilizada para sintetizar aminoácidos a partir de a-cetoácidos correspondentes.


       

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